23/02/2018

Eletrónica erudita



Fernando Magalhães
21.01.2002 190748
Uma lista possível de discos de música contemporânea, minimalista, eletrónica, electro-acústica, acusmática, etc
dos quais GOSTO MESMO MUITO!
:)

ANDREI SAMSONOV : Void in (Mute) - ainda sem ficha

ANDREW POPPY

0290 - The Beating of Wings (ZTT, 1985) – Fev.86, Jun.94 – 48.53

ANTHONY MANNING

3280 - Chromium Nebulae (Irdial, 1995) – Dez.01 – 70.37

ARNE NORDHEIM

2468 - Electric (Rune Grammofon, 1974) – Fev.99 – 74.03

BERNARD PARMEGIANI

2690 - Pop’Eclectic (Plate Lunch, 1966 -1973, 1999) – Fev.00 – 49.55

E o monumental “De Natura Sonorum”, "pai" de toda a electrónica actual, cuja edição definitiva vou buscar na próxima 4ªfeira, à VGM!...

CHRISTIAN ZANÉSI

0649 - Stop! L’Horizon . Profil-Désir . Courir (Ina.grm, 1990) – Nov.98 – 52.47
0511 - Arkheion (Ina.grm, 1996) – Nov.98 – 33.26

CONRAD SCHNITZLER & JÖRG THOMASIUS

3275 - Tolling Toggle (Fünf und Vierzig, 1991) – Dez.01 – 61.18

DANIEL TERUGGI

1902 - Syrcus/Sphaera (Ina.grm, 1993) – Mai.96 – 62.34

DAVID BEHRMAN

1162 - Leapday Night (Lovely Music, 1991) – Mai.92 – 62.37

EXPERIMENTAL AUDIO RESEARCH

3272 - The Köner Experiment (Mille Plateaux, 1997) – Dez.01 – 46.37
3044 - Millenium Music, a Meta-Musical Portrait (Atavistic, 1997) – Dez.01 – 55.00

Não resisto a incluir estes dois fantásticos banquetes de som!

HARALD WEISS

1794 - Die Anders Paradies (Gingko, 1995) – Abr.96 – 47.25

Também sai um bocado do contexto, mas é...MÁGICO!

INGRAM MARSHALL

0926 - Three Penitential Visions/Hidden Voices (Elektra Nonesuch, 1990) – Nov.90 – 45.35
2904 - Alkatraz (New Albion, 1991) – Out.91, Jul.01 – 46.22

ISTVÁN MÁRTA

0707 - Támad Aszél (The Wind Rises) (Recommended, 1987) – Fev.90, Ago.98 – 35.24

JOCELYN ROBERT

1051 - Folie/Culture (Recommended, 1991) – Mar.97 – 66.20
2082 - La Théorie des Nerfs Creux (Ohm/Avatar, 1993) – Mar.97 – 41.23

KLANKRIEG

3180 - Radionik (Cling Film, 1999) – Nov.01 – 52.49

KONRAD KRAFT

2283 - Alien Atmospheres (Elektro-Smog, 1996) – Jan.98 – 71.19

MANUEL GÖTTSCHING

0886 - E2-E4 (Racket, 1984) – Jul.90, Jan.95 – 59.37

MICHAEL WINNERHOLT

1651 - Tjugofyra (Multimood, 1995) – Fev.98 – 61.03

MICHEL REDOLFI

1901 - Desert Tracks (Ina.grm, 1988) – Mai.96 – 70.09
1358 - Appel d'Air (Ina.grm, 1993) – Jan.94 – 67.42

MICHEL ZBAR

1903 - Novum Organum (Ina.grm, 1994) – Mai.96 – 68.02

NED LAGIN

1216 - Seastones (Rykodisc, 1975) – Mar.93 – 73.53

OSKAR SALA

0216 - Elektronische Impressionen (Erdenklang, 1978/1979) – Out.98 – 61.56

PAUL DE MARINIS

1167 - Music as a Second Language (Lovely Music, 1991) – Mai.92 – 49.44

PAUL SCHÜTZE

1605 - Apart 2xCD (Virgin, 1995) – Jul.98 – 50.30 + 47.37
2510 - Third Site (Ryko, 1999) – Mai.99 – 47.17

PETER MICHAEL HAMEL

0346 - Nada (Ginkgo, 1977) – Mai.95 – 40.36

PHILIP GLASS

0976 - Music with Changing Parts (Elektra Nonesuch, 1971) – Jan.94 – 61.42 R
1235 - Two Pages, Contrary Motion, Music in Fifths, Music in Similar Motion (Nonesuch,73/5)-Jan.94-74.13R
0280 - Einstein on the Beach 3xCD (Elektra Nonesuch, 1978/1993) – Dez.93 – 62.25 + 65.42 + 72.52 Ope. R

PIERRE HENRY

2691 - Variations pour une Porte et un Soupir (Mantra, 1961/63/70, 1995) – Fev.00 – 70.27 R

PROPELLER ISLAND

0657 - Hermeneutic Music (Erdenklang, 1988) – Mar.94 – 53.43
1053 - The Secret Convention (Badland, 1988) – Mai.91 – 53.16
1906 - The Garden (Artgallery, 1995) – Mai.96 – 44.30

RANDY GREIF

2371 - Verdi’s Requiem (Soleilmoon, 1997) – Abr.98 – 57.44

SHELLEY HIRSCH & DAVID WEINSTEIN

0705 - Haiku Lingo (Review, 1989) – Nov.89, Mar.91 – 48.45

STEFAN TIEDJE

1056 - Polyrische Variationen (Badland, 1988) – Mai.91 – 66.48

STEN SANDELL

3122 - Bio Elektrika (LJ, 2000) – Mar.01 – 44.37

STEVE REICH

0447 - Music for 18 Musicians (ECM, 1978) – Mai.88, Nov.91 – 56.33
0570 - Sextet/Six Marimbas (Elektra Nonesuch, 1986) – Mar.89, Nov.92 – 42.42

TERRY RILEY

0156 - A Rainbow in Curved Air (Columbia Rewind, 1971) – Jun.79, Mar.91, Jan.95 – 40.28
1511 - Persian Surgery Dervishes 2xCD (Mantra, 1972) – Nov.94 – 43.15 + 47.54

TIBOR SZEMZÖ

2344 - Relative Things (Leo, 1998) – Abr.98 – 62.56 BSOs

TOM RECCHION

2374 - Chaotica (Birdman, 1986) – Mai.98 – 68.17

UN DRAME MUSICAL INSTANTANÉE

1335 - Jeune Fille qui Tombe...Tombe (In Situ, 1991) – Jul.92 – 45.26

VANGELIS

2805 - Invisible Connections (Deutsche Grammophon, 1985) – Mar.01 – 39.49 - a sério, vale mesmo a pena!

Various Artists

0263 - Another Coast (Music and Arts Programs of America, Inc., 1988) – Jun.92 – 72.33
2944 - Ohm:The Early Gurus of Electronic Music 3xCD (Ellipsis Arts…, 2000) – Jul.00 – 72.01 + 73.16 + 73.52

WIM MERTENS/SOFT VERDICT

0464 - Vergessen (Les Disques du Crépuscule, 1982) – Jul.88, Out.93 – 31.25
0461 - For Amusement only (Les Disques du Crépuscule, 1983) – Jul.88, Out.93 – 30.28
1317 - Struggle for Pleasure (Les Disques du Crépuscule, 1983) – Out.93 – 20.15

JOÃO PEDRO COSTA

1215 - Electronic and Computer Music (Numérica, 1993) – Mar.93 – 67.29

FM


Fernando Magalhães
21.01.2002 190748
quote:

Publicado originalmente por rat-tat-tat
Fernando.

"Quando fizeres a tal classificação podes fazer uma breve referência a estes discos da lista?

terry riley. persian surgery dervishes
michel redolfi. appel d'air
klankrieg. radionik "

TERRY RILEY: CD duplo ed. Mantra - é uma gravação ao vivo na qual o TR interpreta quatro longas variações diferentes do mesmo tema.
Chega a ser de tirar o fôlego acompanhar o virtuosismo do músico no órgão eletrónico. Quantas mãos e pés tem o senhor???
:) (repito: trata-se de um álbum ao vivo, sem truques!).
É música verdadeiramente dervíshica, em espiral, hipnótica, um pouco na linha do que - com outra sofisticação ao nível da produção - pode ser escutado no 1º lado do genial "A Rainbow in Curved Air", do mesmo músico.

REDOLFI: "Appel d'Air" - O CD inclui várias peças compostas em períodos diferentes, uma delas inspirada na pintura de um artista de que não me lembro agora o nome.
Já não ouço este disco há algum tempo, mas recordo uma música atmosférica - no sentido mais espiritual do termo - atravessada por brisas eletrónicas quentes e sons naturais. A espacialização sonora é sublime, obrigando-nos a emergir numa espécie de floresta virtual.
Suspeito que o Robert Rich ouviu bastante este compositor...

KLANKRIEG: É o projeto industrial do Felix Kubin. Escrevi há pouco tempo sobre este CD no "Y". A distribuição é da Matéria Prima. Se pudesses ler a crítica, poupavas-me algumas palavras...
:D

Hector Zazou + Sandy Dillon




Fernando Magalhães
18.01.2002 180650

A música do Hector Zazou está ao seu melhor nível, numa linha algo industrial pouco habitual nas suas gravações mais recentes.
Quanto à voz da Sandy Dillon, soa demasiado punk e gritada para meu gosto. Mas é apenas a minha opinião.

Voltando ao Zazou, considero o "Les Chansons..." um dos seus álbuns mais fracos.

Recomendo vivamente os seguintes: "Noir et Blanc" (nunca a música de computadores soou tão funky...), "Reivax au Bongo" (o classicismo angelical de um lado + o humor afro telenovelístico, do outro!), "Géographies" e "Géologies" (neo-classicismo surreal).

E que tal procurar o "Satieano" e absolutamente original "Barricades", ainda com o grupo ZNR (Zazou + Joseph Racaille)?

FM


Fernando Magalhães
18.01.2002 190703

Já agora, uma retificação :). O "Les Chansons..." até nem é um dos álbuns mais fracos do HZ, como escrevi há pouco. Confundi-o com um que ele gravou a seguir, já muito voltado para a eletrónica de dança.
Digamos que coincide com o período de transição da época áurea para o período dos $$$$$$$.

FM

Uma pequena reflexão crítica [Area]



Fernando Magalhães
09.01.2002 160422

quote:

Publicado originalmente por Vítor Gorjão

Só uma, (não resisto): Area - (italianos), alguém ouviu!?

VG


Claro! Foram uma das melhores bandas italianas dos anos 70. Álbuns como "Arbeit Macht Frei", o ultra-free-experimental "Caution Radiation Area", "Crac" ou "Maledetti Maudits" permanecem perfeitamente actuais!
Para quem estiver interessado em saber, imagine-se os Area como uns EMBRYO imbuídos de carga de alta-tensão e em que os músicos põem o seu indisfarçável virtuosismo ao serviço de uma música em que os termos rock, jazz, pop e anarquia se fundem num todo abrasivo.

Ah, sim, e vi os Area ao vivo, em Portugal. Em três concertos (Festa do Avante! - inesquecível, Pavilhão dos Desportos (hoje Pav. Carlos Lopes) e FIL.

O vocalista, Demetrio Stratos (já falecido) costumava interromper um solo instrumental delirante para comer calmamente uma maçã (!!!), diante do microfone.

FM

Brian Eno (starsailor)



Fernando Magalhães
08.01.2002 150308

Do período pop:

Here Come the Warm Jets (1973) - 9/10
Taking Tiger Mountain (by Strategy) (1974) – 9/10

Período "Cluster"

Another Green World (1975) – 10/10
Before and after Science (1977) - 10/10

Período "ambient"

Discreet Music (1975) –8,5/10
Music for Films (1978) – 9/10
Ambient #1 Music for Airports (1978) – 9/10
Ambient #4 On Land (1982) – 9,5/10
Apollo Atmospheres & Soundtracks (1983) – 9/10
Thursday Afternoon (1985) – 7/10
The Shutov Assembly (1992) - 8/10
Neroli (1993) - 7,5/10

"Híbridos"

Nerve Net (1992) – 7/10
The Drop (1997) – 8/10

BRIAN ENO & DAVID BYRNE

My Life in the Bush of Ghosts (1981) – 8/10

Os dois discos assinados como CLUSTER & ENO são ambos essenciais: "Cluster & Eno", de 1977 (9/10) e "After the Heat", 1978 (9/10)

saudações enoeanas

FM


starsailor
08.01.2002 231136

E os discos com o Fripp? São bons?


Fernando Magalhães
09.01.2002 160435

Não são bons, são...excelentes, mas também...terríveis!
"No Pussyfootin'" (8/10) é, essencialmente, um disco de frippertronics e manipulação de tapes. Minimalista, obsessivo, influenciado pelas teorias de La Monte Young.

"Evening Star" (9,5/10) é o disco luciferino por excelência.
De cada vez que ouço a longa faixa que ocupa todo o lado 2 do vinilo, "An Index of Metals", tenho pesadelos (a sério!). Quem prestar atenção conseguirá ouvir no final deste tema o som, quase subliminar, de sinos - os sinos que andam associados à loucura! Terrífico, sem dúvida.

saudações arrepiadas

FM

Razões para não ter gostado do concerto dos Gybe!



Fernando Magalhães
01.02.2002 180613

Razões: [Para não ter gostado do concerto dos Gybe!]

1 - Os bybe são músicos cultos mas primários. Para além dos aspetos formais da música (ouvido um tema, estavam ouvidos todos, o leque de notas utilizado foi escasso...) que até nem serão os mais importantes (as cordas saíram amiúde de tom, enfim...) não basta carregar no volume e na ênfase na massa sonora para criar densidade emocional.

O Rui Catalão definiu bem o que se passou. Dizia ele que era música "vai acima, vai abaixo"

2 - As citações a Glenn Branca, Savage Republic, Velvet Undergound, Magma, King Crimson, até um decalque da introdução eletrónica de "Baba O'Riley", dos The Who (que é aliás, uma referência velada a Terry Riley...) tornaram o concerto num imenso e, pior que isso, previsível "pastische".
E que ninguém que tenha gostado volte a dizer mal do Rock Progressivo, pois houve partes em que aquilo era positivamente Rock sinfónico, com fraseados melódicos pindéricos no topo

3 - Os bybe impressionaram pelo artifício. Não houve profundidade naquilo que fizeram (ainda Rui Catalão, dixit: "Não consigo descortinar aqui um mínimo de verdadeira boa música que seja!"). Imagino que - e isto acontece em todos os concertos - houvesse uma espécie de condicionamento emocional prévio do público presente. Às vezes convém adotar uma posição mais objetiva. Claro que o prazer que a maior parte das pessoas retirou da música é um facto. Mas...para mim isso não é garantia de qualidade. Lamento, mas é assim que penso. Já ouvi música infinitamente melhor, com seis ou sete pessoas na sala. Serei elitista? Se ser elitista é não fazer concessões - sou elitista!

Dito isto, até foi agradável como música de fundo.

Gostaria que quem põe os bybe nos píncaros tivesse disponibilidade para ouvir uns UNIVERS ZERO, por exemplo, ou uns PRESENT, e imaginar como soará esta música ao vivo...
É a diferença entre os mestres e aprendizes esforçados.

FM

16/02/2018

Os melhores do ano 1991 [Eletrónica + World]


Pop Rock
1991

os melhores do ano

ELETRÓNICA

O ano que passou foi de triunfo para os eletrões. A eletricidade sempre foi um bom circuito de informação. Os sinais não enganam: passado e futuro tocam-se e confundem-se. Na Europa, sobretudo, de novo se constrói a torre de Babel.

Delerium
            Stone Tower
                (Dossier)
Produto típico da ala negra dos pseudomagos que apostaram em dar cabo das nossas cabeças, por dentro e por fora. Neste caso não há agressões psíquicas abaixo dos 2Hz ou acima das “frequências caninas”, nem grandes rituais de sangue provocados pelo rebentamento de tímpanos. Pelo contrário, embora na capa proliferem as habituais imagens de corpos em agonia, caveiras e arquiteturas de pesadelo, os Delerium, fação “ambiental” dos Front Line Assembly, enveredam pelas religiosidades obscuras, abrindo paisagens de sombra e labirintos por onde divindades pagãs aproveitam para se infiltrar. Longos mantras etno-demoníacos que incluem na versão CD cerca de meia hora extra de hipnose. Um tratado de necromancia que pode provocar habituação à paranóia. Para ouvir de noite, com cuidado.

Hans-Joachim Roedelius
            Der Ohren Spiegel
                (Multimood)
Dividido entre a devoção ao piano, a Erik Satie e Alban Berg e a nostalgia das explorações eletrónicas de antanho realizadas com Dieter Moebius, nos Cluster, Roedelius consegue aqui o equilíbrio perfeito entre duas pulsões contraditórias, a simplicidade e o barroco. Exorcizado o espectro das teclas de marfim em “Piano Piano”, para piano solo, Roedelius revela-se como um arquiteto de sons visionário, ombreando com Brian Eno na construção de estruturas tímbricas e harmónicas (no seu caso bastante mais complexas que as do autor de “Discreet Music”) que parecem desafiar a gravidade. “Reflektorium”, o tema mais longo do CD, tem o esplendor, os reflexos matizados e o requinte do pormenor de um candelabro de cristal.

Holger Hiller
            As Is
                (Mute)
Antigo membro dos Palais Schaumburg, autor de óperas sobre “calças” e auditor atento de Stockhausen, Faust, Einstuerzende Neubauten e de música pop num rádio a pilhas mal sintonizado, Holger Hiller produz música dourada a partir de detritos e excrescências sonoras a partir de excertos de Wagner. Diverte-se a misturar pedaços de sinfonias, de ruídos, de vozes e melodias incertas no seu cadinho de alquimista louco – o “sampler”, máquina mágica onde nada se perde e tudo se trasforma. À semelhança dos geniais “Ein Bundel Faulnis in der grube” e “Oben im Eck”, “As Is” é “como é”, um programa musical, na aparência sem sentido, mas onde a cada segundo o som dispara em direções surpreendentes, das refrações “dub” à pop do outro lado do espelho. O discurso da esquizofrenia tem a sua lógica própria.

Kraftwerk
            The Mix
                (EMI)
Ralf Hütter e Florian Schneider não vão atrás da Europa, a Europa é que lhes segue no encalço. Os dois alemães vestiram de novo as fardas de humanóide, carregaram baterias, ligaram os interruptores do estúdio Kling Klang e procederam como cirurgiões-robô especializados, com bisturis laser e uma ironia não menos cortante. Operaram maravilhas de cirurgia plástica nos clássicos da “techno-pop” industrial gerados pela maquinaria do Rur e polidos no paraíso de cristais de quartzo e fibra ótica de “Silicon Valley”: “The Robots”, “Computer Love”, “Autobahn”, “Radio Activity”, “Trans Europe Express” – binários e insinuantes como sempre, e agora mais dançáveis do que nunca. Regresso em forma ao futuro.

O Yuki Conjugate
            Peyote
                (Multimood)
Alinhados com os Lights in a Fat City, afilhados de Jon Hassell e das músicas do “quarto mundo”, atentos às pulsações das culturas e dos mitos africanos e aborígenes, os O Yuki Conjugate desenham os contornos de uma “realismo fantástico” que povoam de monstros projetados pela tecnologia eletrónica. “Peyote”, como o anterior “Into Dark Water”, sendo mais um produto representantivo da grande síntese do final do milénio, tendência “novo primitivismo”, avança por alamedas laterais, por via da alucinação, abolidas as noções tradicionais do espaço e do tempo. Música intuitiva, elemental, naturalista por essência e ambígua na condição de ícone da nova idade das trevas. Se “Into Dark Water” era a escuridão do fundo oceânico, “Peyote” é a miragem do deserto, a vibração desfocada, o retorno ao incriado.


WORLD

1991 foi sobretudo o ano de reedições em CD, de parte de discografias importantes – dos Planxty, Chieftains, Malicorne, Milladoiro e Steeleye Span. Tudo importações, claro. Outras “novidades” chegaram ao mercado nacional pelo menos com um ano de atraso, razão por que não puderam constar da presente lista.

Ad Vielle Que Pourra
            Come What May
                (Green Linnet)
Originários do Canadá, os Ad Vielle Que Pourra pretendem “unir o caldeirão de influências americano às raízes europeias”. Aliam o virtuosismo, ecletismo e magia, um pouco à maneira de uns Blowzabella mais extrovertidos. Há na música dos Ad Vielle uma energia contagiante, resultante da correta assimilação e articulação da tradicção francesa, e em particular da bretã, com a música de realejo, as valsas palacianas ou a canção de cabaré, em combinações instrumentais, ora frenéticas, ora bizarras, da bombarda e da gaita-de-foles flamenga, da sanfona, do violino, do acordeão e do bouzouki… Música para “viajar pelo mundo ou pelo interior de nós próprios”.

Catherine-Ann MacPhee
            Chi Mi’n Geamhradh
                (Green Trax)
Catherine canta em gaélico as habituais histórias da história escocesa, às quais a mistura das brumas célticas com as névoas não menos poéticas do “whisky” retira um pouco de credibilidade. Mas a falta de rigor científico e o tom pueril de canções como aquela que narra os desgostos amorosos de “um jovem vendo a rapariga que ama abandoná-lo, para casar com outro, o que lhe parte o coração [ao jovem, não ao outro]” são compensados pela excelência do canto. Entre um acompanhamento instrumental invulgar, a harpa cintilante de Savourna Stevenson garante, por si só, o sortilégio.

Hamish Moore & Dick Lee
            The Bee Knees
                (Green Linnet)
Caminho difícil e excitante, o da fusão das sonoridades tradicionais com o jazz. John Surman (“Westering Home”), Ken Hyder’s Talisker ou Jan Garbarek (“I Took up the Runes” e “Rosensfolle”, este com Agnes Buen Garnas), do lado do jazz, já o haviam tentado com sucesso. Do “outro lado”, registe-se a fase inicial dos Gwendal, de “À vos Désirs”, os suecos Filarforket, em “Smuggel” os ex-jugoslavos Zsarátnok, em “Holdudvar”, June Tabor em “Some Other Time”, Savourna Stevenson, em “Tweed Journey”, e aproximações pontuais da malograda Sandy Denny. “The Bee Knees” vive do diálogo/confrontação entre a gaita-de-foles e o “tin whistle” tradicionais de Hamish Moore, e os saxofones e clarinete-baixo de Dick Lee. Os puristas poderão franzir as sobrancelhas. Mas as pulsações do coração e as pernas nem por isso deixarão de acelerar.

Les Nouvelles Polyphonies Corses avec Hector Zazou
            Les Nouvelles Polyphonies Corses
                (Philips)
Sensível ao poder do eixo que liga a pedra e a terra ao céu, Hector Zazou, num exercício que acaba por se assumir como ponto culminante e corolário lógico de “Géographies” e “Géologies”, soube manter os computadores à distância exata da religiosidade e do arrebatamento do canto corso, deixando-lhes o espaço necessário à oração e à elevação. Os sons eletrónicos ou da profusa instrumentação utilizada neste projeto não interferem com a energia do canto, antes lhe servem de alavanca de apoio, facilitando-lhe a ascese e constituindo um estímulo adicional ao discurso da alma. A constelação de “figuras” presentes – Ryuichi Sakamoto, Ivo Papasov, John Cale, Steve Shehan, Manu Dibango, Richard Horowitz, Jon Hassell – participa e assiste fascinada à cerimónia.

Ron Kavana
            Home Fire
                (Special Delivery)
Permanecendo de certo modo à margem do circuito “folk” britânico tradicional, Ron Kavana é um rebelde apostado em dotar a música irlandesa de uma carga política que tende, por vezes, a ser minorizada, em detrimento do seu lado poético-mitológico. “Home Fire” recusa o perfecionismo de estúdio que, nos últimos anos, tem vindo a retirar muito da espontaneidade que caracterizou o grande “boom” da década de 70, traduzido no aparecimento de grupos como os Planxty, Bothy Band, De Dannan e Five Hand Reel, entre outros. Solução de compromisso entre as sonoridades mais marcadamente célticas das danças e dos instrumentais, e a importância dada às palavras, nas baladas de tom intervencionista. Mil vezes mais eficaz que Billy Bragg e infinitamente mais rico em termos musicais.

Semear para colher, no Porto [7º Festival Intercéltico do Porto]


cultura TERÇA-FEIRA, 2 ABRIL 1996

Brigada Victor Jara e Arcady fecham com chave de ouro as portas do Intercéltico

Semear para colher, no Porto

A colheita do Porto Intercéltico proporcionou, no terceiro e último dia do festival, um Iranda “vintage” e um reserva coimbrã B.V.J. Aos produtores Arcady e Brigada Victor Jara se deve uma das melhores provas deste ano. “Many Happy Returns” e “Danças e Folias” foram os derradeiros brindes célticos a uma cidade que soube fazer a festa.

Boa, média, excelente. A qualidade da música pode variar. Mas o que permanece, o que cria raízes e lavra a terra onde a música cresce, até ser floresta, é o que resulta da aliança entre o amor e o trabalho. Lição que ficou, terminado mais um Intercéltico. Os espetáculos fazem vibrar, uns mais, outros menos, mas é no recolhimento de uma conferência, no calor de uma conversa ou na troca de um disco que a onda de fundo se propaga.
            No domingo, dia de fecho da sétima edição do Intercéltico, os portugueses Brigada Victor Jara trouxeram ao Porto a festa e a multiplicidade de um país musicalmente riquíssimo. Pregões, pauliteiros, baladas e danças, troca de sons e de culturas, convidados – uma cantora galega, Raquel, o telurismo dos Açores, no teatro visceral de Zeca Medeiros, Tomás Pimentel, no fliscorne, Dudas, na guitarra, André Sousa Machado, nas percussões – uma paleta de timbres e de emoções fruto uma atividade que já leva anos de existência, criaram a folia e a ternura. O Porto tributou-lhes merecida homenagem, chamando-os ao palco, no final de uma atuação ao nível da que alcançaram no dia de aniversário no S. Luiz, para dois encores e um interminável aplauso.
            Como vai sendo habitual, coube aos irlandeses a honra de dar a volta à chave de fecho do festival. Nos antípodas da loucura rockeira demonstrada no ano passado pelos Four Men & A Dog, os Arcady representaram a Irlanda profunda. Sem cedências, obrigando o público a entrar a pouco e pouco na sua teia de “jigs” e “reels”. Até à rendição. Baseados no reportório do seu novo álbum, “Many Happy Returns”, estenderam um tapete onde a exuberância dos compassos de dança abriu alas ao canto de uma grande senhora chamada Niamh Parsons. Mesmo adoentada, Niamh cantou por três vezes “a capella”, estarrecendo uma plateia que soube sentir o sagrado e por isso lhe concedeu a dádiva do silêncio. Da escuta em catedral. Jacky Daly, no acordeão, e Johnny “Ringo” McDonagh, no “bodhran”, tocaram como verdadeiros mestres que são. Em vez de arriscarem dar cabo da caixa de velocidades, preferiram a aceleração em suavidade. Sem ser empurrado, ao ritmo de passeio, quando se deu conta, o Terço estava no meio de uma corrida de Fórmula Um. A espiral intercéltica de De Danann – Dervish desenrolou mais uma volta com os Arcady.
            E vamos ao balanço do Festival. Para não ficarmos atrás dos prémios que o Intercéltico decidiu este ano, pela primeira vez, atribuir, resolvemos também nós apresentar um Quadro de Honra para os melhores “celtas” de 1996. Recebem este louvor: Público do Porto – pela sensibilidade e conheciemento de que deu mostras. Uma das maiores ovações dos festival foi para uma vocalização “a capella” da cantora dos Arcady, o que diz tudo. Niamh Parsons – arquétipo da arte vocal feminina na Irlanda. A sua voz cura as maleitas da alma. Carlos Nuñez – o génio que pairou nas alturas. Gaiteiros de Lisboa e Brigada Victor Jara – por provarem que a música de um país pode ser maior do que esse mesmo país. Delegação galega – vieram com a sua cultura, os seus instrumentos musicais, a sua vontade de intercâmbio e de diálogo. O eixo Porto - Vigo torna-se, dia após dia, mais forte que o de Porto - Lisboa… Atividades paralelas – é assim que se criam raízes e se faz nascer paixões. Organização – como de costume, impecável. Mundo da Canção e Câmara do Porto, nas respetivas competências, teimam em fazer-nos felizes.
            A desilusão pertenceu aos Strobinell. Não saíram da casca. Corresponderam às expetativas as Värttinä, uma língua de fogo que varreu o Terço, e os Arcady, por tudo o que atrás ficou dito.
            Semear para colher. O mais importante de tudo foi ouvir, ao longo dos três dias do festival, jovens perguntando onde se pode comprar e quanto custa uma gaita-de-foles. Ama e faz o quiseres, dizia Santo Agostinho.

Síndrome das gaitas loucas [Festival Intercéltico do Porto]


DOMINGO, 31 MARÇO 1996

Banda de Carlos Nuñez enlouquece o Terço

Síndrome das gaitas loucas

Paddy Moloney, mestre “uillean piper” dos Chieftains, tinha razão. Carlos Nuñez é mesmo um “génio absoluto”. Não se toca gaita-de-foles, como fez este galego no dia de abertura do Intercéltico, só com técnica. É preciso mais, muito mais. A entrega total e uma alma enorme. Ele e a sua banda lavraram a sua assinatura no livro de atas dourado no festival. Na primeira parte, os Gaiteiros de Lisboa deixaram claro que, na sua barbárie, o conceito é mais importante do que a execução. O seu tem um nome: revolução.

Foi um dos “primeiros dias” do Festival Intercéltico mais fortes de sempre, o de sexta-feira. Cinema do Terço cheio. Ambiente de expetativa e cumplicidade a condizer. Nervosos, de início, os Gaiteiros de Lisboa renovaram no Porto a sua proposta de arrancar das entranhas da tradição o sumo da modernidade. Na sua música, feita de choques e bandeiras mas também de namoros e de silêncios, aprendemos a ouvir as vozes do passado como se elas tivessem algo de novo para nos dizer. E têm. E tiveram. José Salgueiro comandou as cavalarias altas dos tambores. Selvagem, impôs a disciplina. No solo que anteceu “lenga lenga” optou pela subtileza das madeiras em vez do clamor das peles. Construtor dos alicerces, deixou que os sopros – gaitas-de-foles, flautas, uma trompa, os “túbaros” de Orfeu – erguessem as paredes. Finas, de cristal, como na “la sarandillera” a quatro vozes; De fogo, no uníssono das gaitas, numa marcha a clamar pelo orgulho de um Norte português que a cada deserção da burocracia centralista se vai perdendo no esquecimento. Os Gaiteiros, mesmo sem ser uma das suas melhores noites, uniram o território e o público presente num desejo apaixonado de libertação do terrível amplexo de 40 anos (ou será melhor acrescentar outros 22?...) de ditadura cultural que reduziram a pó a ponte que une aquilo que fomos aquilo que somos.
            Na Galiza não têm o mesmo problema. Existe uma consciência nacional e a defesa de valores que sendo os de uma região pertencem ao legado do planeta. Carlos Nuñez e a sua banda deram uma lição, na segunda parte do espetáculo. O protegido dos Chieftains saiu do beco onde se enfiara com os Matto Congrio para a luz da tradição galega revista nos seus moldes pessoais. Ele e a sua banda, todos “virtuoses” nos respetivos instrumentos, puderam esse virtuosismo ao serviço da música e de uma paixão. Enrico Iglesias (não esse em que estão a pensar…), um violinista de geometria rigorosa mas capaz de deixar comandar pelo calor das emoções, Pancho Alvarez, um ex-Na Lua (impagável a sua personificação, em voz e violino solo, do cego Florêncio), e Diego Bouzón, exímios nas cordas e no humor de um jogo de pernas digno de verdadeiras coristas de can-can, criaram o pátio de recreio ideal para o tal “génio absoluto” de Carlos Nuñez se espraiar.
            Carlos é o que se chama um talento nato, força da natureza, protegido dos deuses, que não se explica mas apenas se escuta com a admiração que é devida aos sobredotados. Nas flautas e na gaita-de-foles – um segundo corpo em simbiose com o físico –, a música levanta voo, arde em cada nota, acelera até ao absurdo do gesto impossível que soa fácil. Nas “suites” da “Illa do tesouro”, composta para um disco dos Chieftains ou noutra da autoria destes mesmos irlandeses, incluindo o clássico “Women of Ireland”, imortalizado na tela em “Barry Lyndon”; numa “Valsa do Minho” ou numa polka, num fandango ou numa jota, Carlos Nuñez elevou o nível de execução e de exigência técnica da gaita-de-foles aos limites da perfeição. Não nos lembramos de nenhum gaiteiro irlandês que consiga tocar um “reel” à velocidade com que o galego o executou. Muito menos recordamos alguma vez ter visto o tradicional, por adoção, “Music for a found harmonium”, dos Penguin Cafe, atingir uma tal dimensão de folia coletiva, como aconteceu a fechar este concerto de antologia, onde não faltaram dois “encores” nem um par de dançarinos.
            A tarde de ontem decorreu ao ritmo de uma conferência sobre a gaita-de-foles, por Xosé Lois Foxo, do lançamento de um novo catálogo de música nórdica, por um texano, Philip Page, que se perdeu de amores pela Finlândia, e da apresentação do novo livro de Mário Correia, “Eurofonias – Uma Viagem Musical pela Europa dos Povos”. Mas isso são outras histórias, não menos estimulantes, para contar no rescaldo do festival.

ENSEMBLE TRE FONTANE - L'Art Des Jongleurs, Vol. 2 + Guillaume de Machaut & Le Codex Faenza


Pop Rock

13 Julho 1994
WORLD

DO ANTIGO PARA A INOVAÇÃO

ENSEMBLE TRE FONTANE
L’Art de Jongleurs, vol. 2
(10)
Guillaume de Machaut & Le Codex Faenza
(8)
Alba Musica, distri. Megamúsica

Desculpem-me os leitores estes desvios, mas o facto é que nos últimos tempos as gravações mais interessantes têm aparecido na área das chamadas músicas antigas. É claro, na folk, as coisas não param, só que muitos discos, alguns deles brilhantes, não chegam ou ainda não chegaram aos nossos distribuidores.
Mas regressemos às “velharias” e a dois discos de um grupo, os Ensemble Tre Fontane que, feitas as contas e assimilados os sons, não anda longe na atitude de algumas formações atuais da folk europeia.
Sobretudo no segundo volume de “L’Art des Jongleurs” (o primeiro, que não conhecemos, incide na tradição vocal trovadoresca), o tratamento das fontes utilizadas sofre deslocações subtis que aproximam a música antiga a formas musicais e de sensibilidade contemporâneas um pouco à maneira do que acontece nesse monumento definitivo de abolição de tabus e fronteiras estéticas no tempo que é “Carmina Burana” segundo os Clemencic Consort.
No caso dos Tre Fontane – um trio originário do Sul de França, região trovadoresca por excelência – e em particular no primeiro e mais antigo dos discos em análise, são as percussões soltas e evidenciando uma espontaneidade muito própria do universo folk a fazerem a diferença.
Incidindo sobretudo no reportório instrumental da Idade Média, os Tre Fontane desenvolvem aqui, como na quase totalidade do disco posterior, a música anotada no Codex Faenza, descoberto em 1939, documento de primordial importância para o estudo e aprofundamento das técnicas interpretativas da música medieval. Às peças (baladas e “virelais”) de Guillaume Machaut, séc. XIV, músico e poeta considerado um dos melhores e mais representativos compositores no estilo da “ars nova”, juntam-se as “estampies” italianas, em voluntária acentuação de características comuns. Da audição de todas elas sobressai um sentimento de hedonismo exacerbado em que os sentimentos, da amargura mais profunda à exaltação amorosa, assumem proporções exageradas, pelo menos para a nossa triste e apagada maneira de sentir. A natureza, as voltas da roda do destino, a vida vivida em pleno, transformam-se em fonte de prazer constante. A música reflete essa “joie de vivre” e exacerbação da arte ou do amor cortês levados a um refinamento e elegância de linguagem sem precedentes na chamada “ars antiqua”, anterior historicamente à “ars nova”.
Faixas como “Tre fontane” ou as duas baladas de Machaut, exemplos de maior volúpia sensitiva numa obra que toda ela um jardim de flores no esplendor máximo da fragrância e da cor – “Dame comment…” e “Dame ne regarde pas…” são de molde a transformar por dentro quem as ouve.
Centrada quase exclusivamente nas obras de Machaut, a última produção até ao presente dos Tre Fontane é mais contida, dando a entender uma preocupação maior de fidelidade às fontes consultadas e uma contenção de estilo que se prolonga pela própria instrumentação, aqui limitada à sanfona, falutas de bísel, alaúde árabe e “sordun” (ou “sourdeline”, instrumento de palheta dupla de sonoridade aparentada ao fagote com um “vibrato” semelhante ao da gaita-de-foles), enquanto em “L’ Art des Jongleurs, vol. 2” se estende pela exuberância, além dos instrumentos citados, da “chamelie” (outro instrumento medieval de palheta dupla), bombarda e várias percussões (bendir, darbouka, tablas, tamborim, etc.). Entenda-se então a afirmação de Jacques Berque, aplicável por inteiro à música dos Tre Fontane: “A autenticidade não está na repetição exaustiva do antigo, mas sim no restabelecimento do antigo através da inovação”.

Timbuk 3 - Big Shot In The Dark


Pop Rock
30 de Outubro 1991

Timbuk 3
            Big shot in the dark
            LP/MC/CD, I. R. S., distri. EMI-VC

            Pat e Barbara MacDonald continuam a inventar uma América de sonho. Mesmo se, na relação ambígua com o título, a capa mostra o ataque cerrado de uma legião de espermatozóides à fortaleza do óvulo. Terceiro álbum de originais, a seguir a “Greetings from Timbuk 3” e “Edge of Allegiance”, o novo disco envereda por um registo difícil de definir: vias aparentemente bem demarcadas, como o “funky” ou a “pop de guitarras”, adquirem, por força de uma subtil operação de desfocagem, contornos imprevisíveis. Os Timbuk 3 observam a Pop com olhos de alienígena. Verdadeiros cowboys espirituais (o som da harmónica evoca, ao longe, o espectro dos Wall of Voodoo) levitam sobre uma Disneylândia abandonada e estradas ao crepúsculo. O frenesim de “Two medicines” e “Big shot in th dark” dissemina-se por sombras e paisagens noturnas, à custa de arranjos atmosféricos e das estranhas inflexões vocais da dupla. Ecos dos Dire Straits, em “Mudflap girl”, as entoações dylanianas de “Dis***land (was made for you & me)”, a fantasmagoria de “Wake up little darlin’”, digna de Tim Buckley, ou o incenso psicadélico de “49 Plymouth” aumentam ainda mais o ambiente geral de estranheza. Belo, diferente e bizarro. (8)

Tom Petty And The Heartbreakers - Into The Great Wide Open


Pop Rock
27 de Julho 1991

TRABALHO DE PROFISSIONAL


“Gostava de abrir novos caminhos e deixar alguma marca na música, que todos identifiquemos como nossa – é isso que eu estou a tentar fazer”

Foi o que disse um dia Tom Petty, levantando a ponta do véu sobre as suas intenções relativamente às suas ambições musicais. Disse “tentar fazer” e disse muito bem. O problema está menos nas intenções, cem por cento louváveis, e mais nos resultados. É que, até agora, por mais tentativas que faça, e já leva 20 anos de música no ativo, Tom Petty não consegue abrir caminho nenhum. Quanto à “música que todos identifiquemos como nossa” não se percebe muito bem o que quer dizer. Devia estar bêbedo.
“Into the Great Wide Open” é rock and roll suave, fluente, com a cadência fácil e sem atritos de um automóvel rolando em quinta velocidade numa auto-estrada americana. Mas nem sempre o que parece girar sobre esferas é o mais interessante e, muito menos, o mais original. Como Tom Petty, há dezenas de outros músicos que “gostavam de abrir novos caminhos” (na maior parte das vezes em vez de abrir, fecham-os), a borbulhar na sopa requentada dos tops norte-americanos. Bruce Springsteen deu mote dos “contadores de histórias” solitários, eternamente “on the road”, à procura da América mítica e de si próprios. Mas nem todos podem ser como Tom Waits ou Stan Ridgway, das poucas exceções à regar geral, pautada pela mediocridade.
Há neste disco uma complacência irritante que deixa adivinhar o vício mais grave da preguiça. Sente-se que aquilo que Petty faz, fá-lo com uma perna às costas, com a destreza e a competência de um profissional. Seria desculpável, segundo a máxima de “quem faz o que pode e sabe a mais não é obrigado”, se Tom Petty não desse mostras de poder fazer muito mais. Se não faz é porque não quer, até porque, assim como assim, os discos vendem que se fartam.
Nota-se que o guitarrista poderia ter ido bem mais longe na exploração do filão melódico patente em faixas como “Into the great wide open”, “All or nothin’” ou “Too good to be true”, em que as imagens de uma América à beira da desolação (“morning on the outskirts of town/sitting in the traffic alone, you don’t know what it means to be free”) formam um filme negro coerente, servido pelo argumento plausível da “rock’n’roll way of life”. Talvez o defeito esteja na produção, demasiado adocidada, de Jeff Lynne, o homem da Electric Light Orchestra. Seja como for, a música não está de modo nenhum ao nível das palavras e dos ambientes que se procuram evocar.
Ao contrário do que Tom Petty afirma, as canções não estão “em qualquer lado para onde se olha”. Se assim fosse, só os cegos não fariam música. E o pior cego é aquele que não quer ver. **

TOM PETTY AND THE HEARTBREAKERS
Into The Great Wide Open
LP/MC/CD, MCA, distri. BMG

Catherine-Ann MacPhee - Chi Mi’n Geamhradh


Pop Rock
1991

Catherine-Ann MacPhee
Chi Mi’n Geamhradh
CD, Greentrax, distri. VGM

Catherine é uma mulher de peso. Mais de cem quilos, com certeza. Mas, como acontece com inúmeras divas, do maciço corporal desprende-se e eleva-se uma voz imponderável, de pássaro. A de Catherine tem a consistência e transparência de um lago. De um dos lagos que, um pouco por todo o lado, se espalham e espelham a sua Escócia natal. Catherine, tal como no seu álbum anterior, “Cànan nan Gàidheal”, canta em gaélico escocês, língua de ressonâncias mágicas, nascida das profundezas do mundo celta, hoje sobreviviente por amor ao fogo que mantém viva a identidade de um povo. Acompanhada pelos outros instrumentos, a solo ou em dueto com a harpa radiante de Savourna Stevenson (cujo álbum “Tickled Pink” é imprescindível em qualquer seleção criteriosa de obras dedicadas a este instrumento), Catherine vai desvelando o novelo da história, da terra ancestral e das gentes que a habitam, em canções que ecoam na memória, evocando outros tempos e outros mitos. Como ela própria diz: “Siomadh oidch a’bhithinn a’smuaintinn, gum bitheadh tu comhla rium gu brath.” Nem mais. ****

08/02/2018

O despertar dos mágicos [4º Festival Intercéltico do Porto]


Pop Rock

31 MARÇO 1993

O DESPERTAR DOS MÁGICOS

Barzaz e Battlefield Band preenchem o cartaz musical do primeiro dia do festival. Vibrantes os primeiros, transportam consigo a força dos rochedos e das ondas do mar que esculpe as costas da Bretanha. Mais serenos os segundos, abrigados de momento na calma enseada de um lago escocês.
            Inseridos no movimento de renovação da tradição musical bretã encetada nos anos 70 por Alan Stivell, os Barzaz resultam da confluência de projetos anteriores dos seus membros, investidos da missão de levar a música da Bretanha aos círculos exteriores do mundo celta. Assim, na árvore genealógica do grupo descobrem-se os ramos Skolvan, Galorn, Kornog e La Mirlintantouille. Os Barzaz fazem da beleza, por vezes rude, da música bretã uma arma contra aqueles a quem a história da Bretanha, “secreta e controversa”, incomoda, os mesmos que “ocupam os lugares do poder” e que interpretam essa História “de forma a melhor poderem dispor das suas gentes e do seu tempo”.
            Os Battlefield Band são a instituição folk por excelência da Escócia. “Forward with Scotland’s Past” é o seu lema. Existem há décadas e passaram incólumes pelas tempestades. Da formação original resta o vocalista e teclista Alan Reid. O espírito, esse, manteve-se. Traçaram ao longo de uma vasta discografia os contornos da tradição escocesa sem nunca voltarem costas as problemas sociais do presente. Juntam o canto da tragédia à dança e aos ritos da terra. O novo álbum, “Quiet Days”, é mais intimista que os anteriores. Uma pausa e um segredo entre o clamor da batalha.

A voz e o fogo

            Sexta-feira é dia ibérico. Atuam Uxia e os Sétima Legião. Para a cantora galega Uxia significa o regresso ao Intercéltico, depois da sua aclamada participação, no ano passado, no projeto "Bailia das Flores” de Tentúgal. Uma voz, belíssima, com frequência desaproveitada. Esteve ligada ao grupo Na Lua onde a sua luz depressa começou a ofuscar os restantes músicos. Disse uma vez numa entrevista: “O importante nun cantor ou cantora é que prevaleza a voz; calquera instrumento que a oculte dificulta a sua comprénsion.” Não por acaso, o melhor trabalho dos Na Lua, “Estrela de Maio”, é aquele em que as vocalizações de Uxia surgem com maior proeminência. Abandonou entretanto o grupo para gravar um álbum algo incaracterístico, “Entre Cidades”, onde é sensível a falta de uma direção definida. Porque não reatar as maravilhas do seu primeiro trabalho a solo, “Foliada de Marzo”?
            Quanto aos Sétima Legião, cujo último álbum, “O Fogo”, foi mal recebido por alguma crítica, vão apresentar no Intercéltico um espetáculo especialmente concebido para o efeito que privilegiará as conotações célticas da sua música. Ao vivo, costumam criar um ambiente festivo, bastante diferente da melancolia que caracteriza os trabalhos discográficos da banda. Veremos se é desta que acendem o fogo.

Celebração

            Absolutamente a não perder, o terceiro e último dia do Intercéltico. Com dois grupos de passado diferente mas ambos de qualidade musical fora de série: Barabàn, de Itália, e Chieftains, os reis magos da folk irlandesa.
            Formados em Milão em 1982, os Barabàn dedicam-se ao estudo e interpretação da música do Norte de Itália, em particular da Lombardia e do Piemonte. Em disco, assemelham-se em sonoridade aos La Ciapa Rusa, seus vizinhos piemonteses. Baladas, canções de embalar, cantos satíricos e militares ou de protesto, cantigas de jograis e outros modos característicos da tradição (jigas, valsas, alessandrinas, monferrinas, curentas, sestrinas, “carmagnolas”, tuninas, “saltarellos”,…), recolhidos, na maioria, por Aurelio Citelli e Giuliano Grasso, compõem o reportório básico dos Barabàn, servido pela utilização de instrumentos típicos da região: o “organetto” diatónico, flautas, ocarinas, sanfona e, claro, o “piffero” e a “musa” (incluindo a variante solista, a “piva”), a gaita-de-foles do Piemonte. Vão ser decerto, a par dos Barzaz, uma das revelações do festival.
            Finalmente, os Chieftains encerram em glória o festival. Já não há palavras que cheguem para traduzir a importância desta banda lendária. Hoje, os Chieftains, como se tivessem uma varinha mágica, transformam em ouro tudo o que tocam. Depois de anos e anos a levarem ao mundo a música da Irlanda, passaram a trazer a música do mundo para a Irlanda. E a tranformá-la por dentro. Levaram os caminhos da Irlanda ao encontro da China (“The Chieftains in China”), da Bretanha (“Celtic Wedding”) e dos Estados Unidos (“Another Country”). Cumpriram o ciclo nesse ritual apolíneo de convergência dos povos celtas que é “Celebration”.
            Autêntica universidade da tradição onde lecionam alguns dos melhores instrumentistas da Irlanda, os Chieftains iluminaram diversos aspetos da cultura e da História desta nação onde ainda habitam as divindades antigas. O rock presta-lhes atualmente vassalagem. Eles retribuem e convidam músicos desta área para participar nos seus álbuns, mantendo intacta a originalidade e a magia. Mas acabam sempre por regressar ao altar verde da única religião que professam – a música da ilha que lhes é exterior e interior, a Irlanda. O novo álbum, “The Celtic Harp”, tem a participação da Belfast Harp Orchestra. Nesta segunda vinda dos Chieftains a Portugal, ouçam-nos com os sentidos alerta, mas também com o coração.
            Todos os espetáculos no Teatro Rivoli, com início às 21h30.


ATIVIDADES PARALELAS

CONFERÊNCIAS: “L’Art des Celtes”, 1 de Abril, no Institut Français do Porto, e “L’Europe des celtes, Véme-Ier siècle a. C.”, dia 2, na Faculdade de Letras do Porto, ambas por Venceslas Kruta.

EXPOSIÇÕES: “Instrumentos Populares Portugueses”, 26 de Março a 18 de Abril, na Rua da Reboleira, Ribeira.
“Suonatori e Strumanti Popolari de’ll Apenninni”, 30 de Março a 3 de Abril, no Teatro Rivoli.

ARTESANATO: “Pablo Leal – Um artesão galego”, 1 a 3 de Abril, Teatro Rivoli.

VIDEORAMA: “Imagens Musicais Intercélticas”, 1 a 3 de Abril, Teatro Rivoli.

DISCOS/REVISTAS: “A música celta e a folk europeia”, 1 a 3 de Abril, Teatro Rivoli.

TEMPO LIVRE: “Vidicuestla – o jogo de xadrez celta”, 1 a 3 de Abril, Teatro Rivoli.


PEREGRINOS

O Festival Intercéltico do Porto, chegado à quarta edição, tornou-se uma instituição. Mais do que uma série de espetáculos musicais de música tradicional, o Intercéltico é um local de peregrinação onde, no princípio da Primavera, arribam os apreciadores e amantes destas músicas com raiz na eternidade.
São três dias de festa no verdadeiro sentido da palavra; de celebração, de “diálogo e convívio entre as diferentes músicas e tradições de povos com um passado comum”, como afirma a organização. Os concertos podem ser melhores ou piores, mas o ambiente é único. Come-se bem, bebe-se melhor, ouve-se música, mergulha-se no âmago de uma cultura que também é a nossa. “Celta”, ou “céltico”, o termo está hoje na moda. Mas por detrás do folclore e das imagens que vão formando o “puzzle” de uma Europa genuína, está o amor a uma causa e muito trabalho. Porque nem só de música vive um festival, a organização (desde a primeira hora da responsabilidade da equipa da MC-Mundo da Canção) compreendeu a necessidade de um enquadramento à altura. É assim que, uma vez mais, o Intercéltico apresenta uma lista de atividades paralelas, que neste anoo incluem conferências, exposições, videorama, artesanato, banca de discos e revistas e a iniciação ao vidicuestla, o antigo jogo de xadrez celta.
Para completar o círculo (ou a espiral…), refira-se ainda a publicação, à semelhança do que aconteceu nos anos transatos, de um livro-programa de 160 páginas sobre o festival, com informação detalhada sobre toda a programação, incluindo textos e discografias dos artistas presentes, uma “bibliografia céltica”, uma compilação das leis (delirantes) dos Brehons, ou seja, as leis antigas da Irlanda, e até esquemas pormenorizados de algumas jogadas de vidicuestla… Um elogio especial para Mário Correia, d organização, pelo notável trabalho de investigação e divulgação levado a cabo.
Agora é tempo de fazer as malas, rumar ao Porto e viver um fim-de-semana diferente. Num tempo e num local que parecem ter sido tocados pela magia de Merlin. Na companhia das fadas, duendes e elfos que existem, porque a imaginação os materializa. O Festival Intercéltico é essa teia cruzada do mito com a atualidade, do ancestral com o moderno. Ritual de comunhão com a nossa identidade mais profunda.