24/11/2008

Vai De Roda - Vai De Roda

Pop Rock

6 de Março de 1996
Os melhores de sempre – música portuguesa

Vai de Roda Vai de Roda

Como foi


Em 1983, Vai de Roda era uma Cooperativa étnico-cultural. “A única, nessa altura, em Portugal”, garante Tentúgal, desde sempre mentor deste projecto. “A ideia era também a edição de textos ou a construção de instrumentos, que construíamos rudimentarmente, sobretudo percussões, além de fazermos recolhas e investigação.” A cooperativa formou-se, “em termos legais, em 80, 81”. Na prática, porquanto o nome ainda se encontra registado, extinguiu-se em 1986. O grupo musical propriamente dito surgiu “em finais de 1978”. Demos o primeiro concerto, de uns 20 ou 25 minutos, para um público adulto e ainda com um reportório restrito, em Fevereiro de 1979.”
Em termos estéticos, o grupo encontrava-se, nesta altura, num estado embrionário. “Um Vai de Roda ainda um bocado rural”, diz Tentúgal, “embora apresentando já algumas propostas diferentes.” Uma proposta que valeu então ao grupo algumas críticas e incompreensões. Nela estavam contidos excertos de uma banda sonora composta anteriormente por Tentúgal “para um filme da antiga telescola. ‘Sortelha, Uma Aldeia da Beira’”. Doze minutos de música que “serviram de pista para o encadeamento do disco”, vindo mesmo, parte deles, a integrar os primeiro e último temas do álbum. “A ideia conceptual de agrupar uns temas” para um disco, “de lhes dar uma sequência lógica” deparou com algumas dificuldades, devidas ao formato em vinilo. “Por causa da obrigatoriedade da mudança de lado.”
A gravação estava prevista para acontecer cinco anos antes. Não aconteceu, “devido a problemas com as editoras”. “Só através de conhecimentos e de algumas cunhas, entre aspas, se conseguiu gravar o disco. E numas condições não digo deploráveis, mas extremamente limitativas.” Seja como for, a obra nasceu. E com mais três dias de estúdio a juntarem-se aos outros três previamente agendados. Mesmo assim, “era de manhã, à tarde e à noite”. “Saíamos à uma da manhã, íamos dormir e às nove já tínhamos que estar novamente no estúdio. Era extremamente cansativo.”
Treze pessoas, fazendo jus ao estatuto de cooperativa que os Vai de Roda então ostentavam, não constituíram na altura dificuldade. “Havia um mapa de gravações, os músicos não vinham todos de cada vez, podiam desopilar um pouco.” Era, contudo, gente a mais, o que levou o grupo “a perder”, mais tarde, “um bocado aquele espírito de cooperativa”. Problemas na gravação, não houve que afectassem de forma significativa a ordem de trabalhos. Tentúgal recorda, mesmo assim, um percalço acontecido com uma mistura, que obrigou o grupo, na última noite, a sair às cinco da manhã. “Problema de fitas ou de corrente eléctrica que foi abaixo” – a memória já apagou dos seus circuitos o incidente.
Ao contrário de “Terreiro das Bruxas” e do próximo “Polas Ondas”, onde algumas das decisões foram tomadas durante as gravações, “Vai de Roda” levava a lição bem estudada de casa, não dando lugar ao imprevisto. “Devido ao pouco tempo que tínhamos, já estava tudo definido.” Excepção feita ao último tema, “Oh que calma vai caindo”, “que permitiu um pouco mais de liberdade”, na sua condição de “quase uma resenha do pensar a música e os ambientes tradicionais, com rezas e a gaita-de-foles”. Houve ainda o caso de uma das cantoras, que um dia não quis cantar, por “não se sentir bem”. O próprio Tentúgal cantava aqui bastante menos do que no álbum posterior, talvez por nessa época estar ainda pouco confiante, neste particular, nas suas capacidades.
“Ainda hoje não confio”, diz, a rir, embora outros o convençam do contrário. “O Quico, por exemplo, antigo teclista dos Salada de Frutas e actual técnico de som do Intercéltico, está farto de me dizer para ter mais confiança, que a minha voz é porreira, que tenho é de começar a cantar mais.” O homem da sanfona, cuja voz confere a temas de “Terreiro das Bruxas” como “Rosinha vem-te comigo” ou “La Vitorina” um fascínio especial, sorri, preferindo conferir à sua música outros protagonismos.
A sanfona preparava, entretanto, terreno para o seu futuro reinado. “Um sonho já de alguns anos” que teve, finalmente, a sua oportunidade. Em “Vai de Roda” ainda prestava alguma vassalagem à “conceptualidade”, aspecto que então mais preocupava Tentúgal, “inclusive no palco”. Uma encenação musical que privilegiava a utilização de “instrumentos não tidos como musicais”, como o piassaba, as vassouras, o demónio da floresta ou as caixas de ovos. “Era o jogo das sonoridades que era importante. A criação de imagens e de ambientes, por vezes, nos concertos, criados no meio do público.”
“Vai de Roda”, sendo como é um marco da música popular portuguesa, terá vendido, nas suas duas e únicas edições em vinilo, cerca de 2500 exemplares. Tentúgal não acredita nesse número, divulgado pela editora. “Acho que vendeu mais.” Impossível, no entanto, verificar essa intuição. “Cheguei a apanhar, numa feira normalíssima, uma cassete pirata do álbum, que ainda guardo comigo.”
Tentúgal ainda hoje sente orgulho nesta estreia em disco dos Vai de Roda, desde sempre o seu projecto mais querido. “Muita gente se esquece deste disco. Só se começou a fazer justiça ao Vai de Roda com o ‘Terreiro das Bruxas’, o que é pena, até porque este primeiro álbum marcou um pouco a história de outros grupos. O próprio ‘Contraluz’, da Brigada, é já uma aproximação á nossa filosofia, de uma certa conceptualidade das coisas e dos temas encadeados uns nos outros. Como o facto de irem buscar os pregões e musicá-los. Uma filosofia que já existia nos Vai de Roda, de ir buscar outras sonoridades que não, apenas, a própria canção em si.”

Como é

Se outra razão não existisse para incluir este primeiro trabalho do grupo do Porto na lista dos melhores de sempre da música portuguesa de raiz tradicional, uma só bastaria para o individualizar e marcar uma posição de diferença perante todos os outros: a recuperação de um instrumento caído em desuso e na decadência, a sanfona. Em “Vai de Roda”, Tentúgal faz entrar pela primeira vez, em disco, a sanfona no instrumentário tradicional português. Uma utilização ainda tímida, apoiada sobretudo nos bordões, mas que trouxe para esta área musical uma sonoridade nova que viria a ser explorada em pleno no segundo álbum do grupo, “Terreiro das Bruxas”. Não se tratou, de forma alguma, de uma opção gratuita, de uma tentativa isolada para tornar mais exótica uma música que sempre procurou conforto na facilidade das braguesas e dos cavaquinhos, mas antes o resultado de um estudo aprofundado das suas origens e potencialidades de transmutação. Tentúgal sempre fugiu ao óbvio e esta fuga levou-o a procurar nas catacumbas da música antiga – idade Média e Renascimento – um veio esquecido ou menosprezado pela maioria dos discípulos e aprendizes da MPP, onde tanto a sensibilidade contemporânea como a sua irmã tradicional se pudessem reconhecer. É precisamente nos temas onde a sanfona faz a sua aparição, seja no de abertura “Minha roda st’á parada”, cujos adereços sonoros antecipavam já a estética de encenação sonora presente em “Terreiro das Bruxas”, seja na versão de “Mineta” (mais interiorizada que o arquétipo inscrito no primeiro álbum da Ronda dos Quatro Caminhos) ou ainda no ambientalismo étnico do instrumental que fecha o disco, “Oh que calma vai caindo”, que a música se aprofunda e ganha maior poder de sugestão. Uma visão da tradição fixada ainda na fidelidade possível às formas originais e cativa do respeito pelo dogma das recolhas, mas onde era já nítida a subjectividade de leitura e a vontade de conceptualização. Afinal o germe de uma obra cujas ambições apontavam já para um equivalente sonoro da fotografia “etnopsicadélica” da capa, mas que apenas se concretizariam em pleno montadas na vassoura de uma bruxa.

2 comentários:

  1. Olá.

    Descobri este blog com os Vai de Roda. Um grande grupo da música portuguesa.

    Há anos que ando doido por compar o 1º album. Tenho os outros 2. Em tempos vi-o e até hoje arrependo-me de não o ter comprado.

    Onde se arranja, pode-me dizer?

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  2. Infelizmente não consigo ajudar. Acontece muito frequentemente: ver um disco montes de tempo numa loja, no dia quem que se decide comprar, é certo que já não está lá...

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